Comunicado de Imprensa
Associação D3 - Defesa dos Direitos Digitais
15 de Janeiro de 2021
O presidente do INESCTEC veio hoje culpar os médicos pelo fracasso da app Stayaway Covid. Depois de já anteriormente ter culpado os portugueses por não aderirem ou a CNPD por fazer o seu papel, o INESCTEC continua a encontrar desculpas para o não funcionamento da app e a disparar culpas em todas as direcções, menos para si próprio. Num momento tão crítico como aquele que vivemos, é imperdoável pressionar ainda mais os médicos com críticas injustas. Sugerir que profissionais altamente capacitados como os médicos não conseguem carregar em botões, ou que precisam de formação para carregar em botões, serve somente o propósito de desviar as culpas sobre a ineficácia da app.
Em qualquer solução de natureza técnica é normal e expectável a existência de diversas variáveis de natureza social que podem dificultar a sua implementação e sucesso. Estas declarações revelam que o INESCTEC foi arrogante e precipitado ao não incluir factores sociais elementares nos seus cálculos e promessas sobre a eficácia da app. Infelizmente, a arrogância continua: a app não funciona (como já tínhamos avisado), mas a culpa naturalmente não é deles.
Primeiro eram os políticos que não decidiam mais depressa, depois a CNPD pelo mesmo motivo, depois Google e Apple pela forma como geriam as permissões, e depois os portugueses por não aderirem. O que é certo é que esses obstáculos foram ultrapassados, os portugueses aderiram à aplicação de uma forma nunca antes vista, e ela continua sem dar resultados. Agora a culpa é dos médicos e dos doentes COVID. Parece que, para o INESC, a Stayaway Covid não funciona porque - como ao Rui Veloso - o mundo inteiro se uniu para a tramar. Gera-se assim a discórdia, em comentários e redes sociais, com acusações e ataques a toda uma classe profissional por não emitirem códigos, o o que só mostra como a app nos veio distrair dos problemas reais. Não, os médicos não precisam de webinars nem de formação, precisam de ajuda real no combate ao vírus. Agora, supostamente, o que é preciso é modificar a app para que os código sejam inseridos directamente, mas a culpa aí é da CNPD e dos SPMS que não se despacham - mas depois disso a app já vai resultar!
Nas fases iniciais da pandemia, a utilização de aplicações para rastreio de contactos através de Bluetooth era uma hipótese teórica que valia a pena estudar, para se perceber melhor o seu potencial. Mas depressa percebemos que os resultados práticos ficavam muito aquém do desejado, por uma série de razões, tanto relacionadas com solução técnica utilizada, quanto relacionadas com factores de ordem social. Não foi apenas em Portugal que a aplicação não funcionou. As aplicações não funcionaram, em geral, simplesmente porque a experiência revelou que a hipótese testada não era adequada a alcançar o objectivo pretendido.
Em nome da integridade científica e do bem comum, seria primordial que todos os intervenientes neste debate tirassem as devidas conclusões desta experiência. Os portugueses já o começaram a fazer, a avaliar pela taxa de desistência na utilização da app. Em especial, devem os decisores políticos adaptar as políticas públicas à evolução do conhecimento, o que significa aceitar que a Stayaway App não é uma forma fiável de limitar a progressão da pandemia - e não há qualquer problema nisso. Afinal, não podemos esperar que apps, telemóveis, Big Tech e respectivas tecnologias tenham o condão de conseguir resolver todos os problemas da nossa sociedade. Resta agora desviar os recursos empregues na criação, manutenção e promoção da Stayaway para soluções e medidas que sabemos que efectivamente funcionam.
Nesta questão, o INESCTEC desempenha um papel principal. Apelamos a que assuma a responsabilidade pela enorme distração que proporcionou à sociedade portuguesa e que, em nome da integridade científica, saiba admitir que a sua experiência falhou. Não o fazer, e continuar a insistir em promover soluções desacreditadas cujos resultados continuarão a falhar amanhã como têm falhado rotundamente até hoje, servirá apenas para prolongar desnecessariamente este lamentável cenário de passa-culpas em praça pública.
Apenas fomentando os mais elevados padrões de exigência e espírito crítico na nossa sociedade sociedade poderemos esperar que, de futuro, quando nos voltarem a acenar com apps mágicas, consigamos evitar embarcar em novas aventuras de homeopatia digital; e que, no caso de surgir uma solução tecnológica realmente eficaz para o combate à pandemia, possamos conseguir a colaboração de toda a população na sua implementação, sem que esta se revele demasiado céptica e desiludida por já anteriormente ter sido massivamente incentivada a aderir a uma experiência social que se revelou tão só uma perda de tempo.
Numa altura de confinamento obrigatório, em que a Stayaway Covid se torna especialmente inútil, abre-se uma janela de oportunidade para fazer um balanço e repensar a sua utilização. Uma boa altura para dar por encerrado este projecto, que já há muito deu o pouco que tinha a dar.