Pela defesa dos direitos digitais em Portugal




O Governo anunciou recentemente a distribuição de centenas de milhares de computadores a alunos e professores, no âmbito do programa Escola Digital. Em entrevista ao ECO, o Secretário de Estado para a Transição Digital, André de Aragão Azevedo, afirmou que foram já distribuídos cerca de 100 mil computadores, e que o objectivo é tornar este programa universal, estendendo-o a todos os alunos (independentemente de beneficiarem ou não da Acção Social Escolar) e professores.

"Um milhão e 130 mil computadores é o objetivo da universalização, porque é o número de alunos e de professores que temos em Portugal. São um milhão e nove mil alunos e são 120 mil professores."

Infelizmente, o modelo de distribuição destes computadores põe seriamente em causa os objectivos que se visa alcançar, pois, ao contrário do que já aconteceu no passado, este programa implica a cedência dos computadores somente a título de empréstimo.

 O contrato que regula a utilização destes equipamentos pelos alunos prevê o seguinte:

  • É proibido instalar qualquer programa (ou hardware), salvo programas exclusivamente para fins do processo de ensino previamente fornecidos ou autorizados pelo Ministério ou Director.
  • É proibido o computador sair de casa ou da escola, salvo para fins de aprendizagem ou quando autorizado pelo Ministério ou Director.
  • O computador tem de ser devolvido no final do ciclo de estudos.

Estas condições são excessivamente restritivas, não permitindo uma verdadeira transição digital acessível a todos, em condições mínimas de igualdade de oportunidades.

Não se pode querer promover a capacitação digital dos alunos ao mesmo tempo que os proibimos de instalar software, limitando assim todo o potencial de exploração e de aprendizagem que um computador pode permitir.

Não se pode querer promover a literacia digital e mediática, quando a ideia que transmitimos aos alunos é a de que se devem limitar a ser meros utilizadores do computador e do seu software que lhes é atribuído, sem qualquer tipo de autonomia e liberdade. Os computadores são ferramentas ao serviço das pessoas, e não o contrário. Se o meio digital pode ser uma forma de exploração e controlo sobre as pessoas, também pode constituir uma forma única de expressão, experimentação e enriquecimento pessoal – tudo depende do poder que as pessoas têm (ou não) para usar livremente os seus computadores. Uma boa aprendizagem implica necessariamente essa liberdade de explorar e experimentar.

E se ainda fosse o caso de se tratar de uma medida de emergência, justificada pela pandemia, em que o importante seria garantir que todos os alunos tinham pelo menos forma de acompanhar as aulas através de um computador… mas nem é esse o caso. O Governo acha mesmo que o programa é tão bom que deve ser estendido a todos os alunos e professores.

Uma vez que as actuais condições do programa são demasiado restritivas e limitam a liberdade dos utilizadores, a D3 recomenda, a todos os que o possam fazer, a recusa desta esta “oferta”. A liberdade de poder instalar o que bem se entender num computador e de explorar todas as possibilidades que os programas de computador nos oferecem é primordial e deve ser um aspecto prioritário na escolha de um computador para um aluno. Será mesmo preferível ter um computador velho e/ou em segunda mão que nos dê toda a liberdade, que ter um computador novo com tantas limitações.

E quem não puder recusar?

Sabemos que atravessamos uma grave crise de saúde pública mas também económica e que infelizmente a opção de rejeitar esta oferta é um privilégio que não está ao alcance de todos.

É precisamente por aqueles que não têm alternativa que urge mudar este programa. A capacitação digital e a promoção da literacia digital só podem ser alcançadas quando os alunos tiverem a liberdade de explorar todas as possibilidades oferecidas por um computador e pelos programas informáticos (a começar pelo próprio sistema operativo), e quando o usufruto do computador não estiver limitado a uma qualquer data pré-definida após a qual o computador deixa de estar disponível.

Se por razões de acção social for necessário ao Estado fornecer computadores a famílias carenciadas, estes computadores devem ser dados (e não emprestados) a quem deles necessita, sem restrições como as que agora existem. Aliás, o modelo de empréstimo é tão inadequado que muitas famílias desfavorecidas o rejeitam [1,2], por medo de não conseguirem cumprir as condições exigentes do programa, e arriscarem ter de pagar o computador se houver algum problema - o que é totalmente contraproducente aos objectivos a alcançar.

Não se compreende por que razão quer o Estado manter a propriedade sobre estes computadores. Não são manuais escolares, são equipamentos informáticos, portanto bens de desvalorização rápida, ainda por cima de baixa gama, e com uma longevidade que está longe de ser extraordinária.