Pela defesa dos direitos digitais em Portugal




No seguimento da criação da Tarifa Social de Internet, que visa permitir às camadas mais desfavorecidas da população uma conectividade mais acessível à Internet, a ANACOM veio propor uma conectividade mínima de 10Mbps de download e 1 Mbps de upload, com volume de dados mensal de 12 GB. Estas características de conectividade, que se aplicam também a ligações de Internet fixa (de casa), fazem da Tarifa Social de Internet uma conectividade de segunda categoria e falham no cumprimento dos objectivos da medida.

Recordemos:

  • Em 2010, na Agenda Digital para a Europa, a Comissão Europeia tinha como objectivo fazer chegar a cobertura de banda larga de velocidade igual ou superior a 30 Mbps a todos os cidadãos europeus até 2020.
  • Em 2012, a Agenda Portugal Digital definiu como objectivo “até 2020, promover o desenvolvimento de condições para que todos os cidadãos possam ter acesso à banda larga de velocidade igual ou superior a 30 Mbps”.
  • Em 2016, a Comissão Europeia definiu como objectivo estratégico de conectividade para 2025 que “todos os agregados familiares da Europa deverão ter acesso a uma conectividade que ofereça uma ligação descendente a, pelo menos, 100 Mbps, atualizável para velocidades da ordem dos gigabits”. No ano passado, o Plano de Ação para a Transição Digital teve como Pilar Estratégico nº1 a “Capacitação e Inclusão Digital”.

A conectividade ora proposta pela ANACOM irá deixar de fora destes objectivos aquela que é a população mais vulnerável.

A própria ANACOM refere que o estudo da Comissão Europeia (em que se considera que o débito mínimo necessário para suportar os serviços que integram a tarifa social de acesso à Internet será na ordem dos 10 Mbps), citado na decisão, tem por base um cenário de um único utilizador / equipamento ativo por alojamento. Tal velocidade de ligação não é adequada para um agregado familiar que implique uma utilização simultânea da mesma ligação.

Estas características de ligação são ainda mais surpreendentes quando o próprio Ministro Siza Vieira tinha já anunciado que a ligação da Tarifa Social de Internet seria de 30Mbps.

Em relação ao tráfego mensal (volume de dados), cujo limite mínimo é de 12GB, deve ter-se em conta que, num agregado de 4 pessoas, tal representa cerca de 100MB por pessoa/dia, o que é manifestamente insuficiente (equivale a cerca de 5 minutos de consumo de vídeo).

Países como Canadá e Malta, referidos na decisão da ANACOM, têm novas soluções de tarifas sociais de Internet que garantem às camadas mais desfavorecidas da população acessos com velocidades de 50Mbps/10Mbps no primeiro caso e 30Mbps/1,5Mbps no segundo, ambos sem limites de volume de tráfego. A solução agora proposta pela ANACOM fica muito aquém destes valores, e não cumpre o desígnio do Governo, que no Decreto-Lei 66/2021 considerava que “a maior exigência relativamente aos serviços utilizados através da Internet evidenciou, de forma notória, a necessidade de se reequacionar o que deverá constituir um serviço adequado de acesso à Internet de banda larga no futuro”.

A conectividade das camadas mais desfavorecidas da população é uma política pública fulcral para uma sociedade da era digital. Precisamos de uma transição digital inclusiva que ofereça novas oportunidades a todos, em vez de acentuar desigualdades existentes. Nesse sentido, a definição das características de conectividade da Tarifa Social de Internet não deve ser deixada a um regulador sectorial vocacionado para questões de mercado, economia e concorrência. Devem ser definidas pelos líderes políticos eleitos, em função do objectivo social que a medida visa alcançar. Também não podemos ficar à espera que sejam os ISPs (provedores de serviços de acesso à Internet) a tomar a iniciativa de oferecer conectividades mais apropriadas, superiores aos mínimos estipulados, quando a isso não são obrigados.

A ANACOM abriu três consultas públicas da ANACOM sobre vários aspectos da Tarifa Social de Internet. Podes também participar até amanhã, dia 10 de Setembro.

Participação da D3 na Consulta Pública da ANACOM.

Sr. Ministro Pedro Siza Vieira,
Sr. Secretário de Estado André de Aragão Azevedo.
ANACOM,

Vamos lá evitar uma "Internet dos Pobrezinhos".