Esta semana ficámos a saber que parece haver um forte consenso político em torno da necessidade de protecção da privacidade dos cidadãos, a propósito de uma eventual utilização de aplicações de telemóvel para controlar pessoas infectadas pelo coronavirus. Presidente da República e Primeiro-Ministro afastam geolocalização obrigatória. No Parlamento, os partidos –uns mais vocais que outros– parecem ir na mesma direcção. Nenhum partido defendeu a utilização dessas apps.
Excelentes notícias! (Seria péssíma ideia…)
Já que aparentemente vivemos uma onda de unanimidade relativa à importância do direito dos cidadãos à sua privacidade, queremos aproveitar o momento para lembrar o seguinte:
- A videovigilância, que deixámos entregue à forças policiais, está fora de controlo.
- A lei de retenção de metadados ainda está em vigor (não confundir com os chumbos constitucionais ao acesso das secretas), pese embora invalidação da directiva que lhe deu origem por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia, bem como uma recomendação da Provedora de Justiça para alteração da lei, múltiplos pareceres da Comissão Nacional de Protecção de Dados no mesmo sentido, etc. Felizmente a queixa que apresentámos à Provedora chegou também ao Tribunal Constitucional, já que todas as tentativas de resolver o problema por via legislativa foram infrutíferas.
- O Regulamento ePrivacy continua na gaveta do Conselho. O Parlamento Europeu adoptou a sua posição sobre este importante diploma já em Outubro de 2017(!), e desde esse altura que o Conselho tem impedido que o processo legislativo prossiga. Desconhecemos qual a posição que o governo português tem tomado sobre o assunto, ao longo de todas as reuniões que tem havido durante estes anos, porque existe o estranho entendimento que as posições políticas defendidas pelos nossos representantes a nível do Conselho não devem ser divulgadas.
- A falta de infraestrutura tecnológica no ensino está a colocar em risco a privacidade de crianças e jovens, empurrando-os para o uso de ferramentas inseguras e ferramentas de empresas cujo modelo de negócio é transformar o utilizador – no caso as crianças – no produto.
- Graças a legislação anti-terrorismo e anti-branqueamento de capitais abusiva e desproporcional, vivemos hoje num país onde não é possível doar um mísero euro pela Internet, para projectos de crowdsourcing, sem que com isso sejam recolhidos todos os dados pessoais do doador. Isto afecta directamente autores e artistas, ainda para mais em plena crise do Covid-19, especialmente os que se encontram impedidos de trabalhar, que vêm o Estado a dificultar a utilização de alternativas legítimas para a obtenção de rendimentos, recorrendo ao seu público e fãs, através de crowdsourcing.