Comunicado de Imprensa
1 de Outubro de 2019
A Associação D3 - Defesa dos Direitos Digitais publica hoje um relatório sobre a situação da neutralidade da Internet em Portugal, mais concretamente em relação às ofertas de zero-rating e os seus efeitos junto dos consumidores. O relatório debruça-se sobre o mercado português e sobre o volume e preço da Internet móvel. O mercado português reúne vários condicionalismos que tornam as práticas de zero-rating especialmente lesivas para o consumidor:
- Apenas três operadores detêm cerca de 98% do mercado de telecomunicações móvel (pg.9).
- O preço dos dados móveis é dos mais caros da Europa.
- Os volumes de dados móveis disponibilizados são em média bastantes diminutos.
É precisamente nestes mercados que o utilizador final mais fica condicionado na sua escolha pelas ofertas zero-rating, não tendo realmente uma escolha livre quando, entre duas aplicações concorrentes, a utilização de uma sai imensamente mais cara que a outra, por opção e por acção do seu operador. Se o tráfego de dados de cada aplicação para o utilizador final sai a um preço bastante diferente, a escolha do consumidor é condicionada e reduzida. Infelizmente os ISPs portugueses mantém bastante baixos os limites de dados disponibilizados ao consumidor, de forma a lucrarem com a venda de pacotes de dados extra, pelo que não têm qualquer incentivo em aumentar esses limites e fazê-los alinhar com a média europeia.
Recentemente a ANACOM publicou o seu "Relatório relativo à neutralidade da rede". Neste relatório o regulador faz um balanço dos resultados da sua "decisão final relativa a práticas comerciais de zero-rating e similares em Portugal", tomada no ano passado, em que o regulador havia emitido aos fornecedores de serviço de acesso à Internet (vulgo "ISPs") várias recomendações, entre elas que “procedessem a uma aproximação dos volumes de tráfego incluídos nos plafonds gerais de dados". Através do relatório publicado pela ANACOM podemos concluir que;
- Os ISPs ignoraram as recomendações da ANACOM, recusando, entre outras coisas, aumentar os volumes de dados móveis disponibilizados aos clientes.
- Pouco mudou nas ofertas de zero-rating em Portugal, consideradas as piores da Europa.
- A ANACOM demonstra falta de vontade ou de coragem para enfrentar o problema.
A D3 pode apenas lamentar a falta de vontade e/ou coragem da parte da ANACOM, que abdica das suas obrigações de defesa do consumidor português e compactua, por omissão, com práticas lesivas por parte dos ISPs. As ofertas de zero-rating prejudicam o consumidor, prejudicam a livre concorrência ao desnivelarem o terreno em benefício de certas aplicações, e constituem uma ameaça a uma Internet livre e neutra.
São portanto uma infracção ao princípio da neutralidade da Internet. Ao não actuar sobre as práticas de discriminação de preço entre aplicações, ao restringir a sua actuação a discriminações técnicas de tráfego, e ao limitar-se a emitir recomendações prontamente ignoradas, sem com isso tirar as devidas ilações, a ANACOM demonstra não ter qualquer intenção de agir sobre o problema base das ofertas zero-rating.
Eduardo Santos, Presidente da D3, diz o seguinte: "Em Portugal temos um cenário em que de um lado está um regulador bastante relaxado e permissivo, e do outro um governo pouco preocupado com o assunto, pois desde 2015 ainda não se deu ao trabalho de introduzir na lei as multas por infracções da neutralidade da Internet". Continuando, acrescenta: "Dessa forma, os ISPs sentem que estão à vontade para ignorar recomendações públicas do regulador e continuar a proporcionar um péssimo serviço aos clientes, pois sabem que não haverá qualquer consequência prática".
Nesse sentido, a D3 apela aos deputados da Assembleia da República que apresentem iniciativas legislativas a fim de:
- Implementar as alterações legislativas a que obriga o Regulamento (UE) 2015/2120 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, que estabelece medidas respeitantes ao acesso à Internet aberta, por forma a dar base legal ao regulador para multar infracções da neutralidade da Internet;
- Forçar os ISPs a aproximarem as suas ofertas de volumes de dados móveis à média europeia.
Isto sem prejuízo de eventuais medidas que visem pôr fim à sobre-concentração do mercado. Apela ainda ao Governo e aos partidos representados no Parlamento Europeu e respectivos deputados, no sentido de pressionarem e lutarem por um esclarecimento das actuais regras europeias, com vista à proibição explicita do zero-rating e ofertas similares.
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