No princípio havia o Ciberespaço.
Aberto a qualquer um, tornou-se a casa da mente de muito boa gente, os nativos. Auto-declarado independente e com regras próprias, sem fronteiras físicas. Acima de tudo livre, cheio de potencial e esperança no futuro.
Depressa a abundante fertilidade do solo despertou a atenção dos que andavam ainda distraídos. Forças de reinos bem mais antigos começaram a invasão. Uns pregavam a Lei sagrada, outros vinham apenas em busca do ouro prometido. Afinal se um sol nascia, devia ser para todos.
Os colonos aplicaram os saberes antigos: aprovaram-se leis, ergueram-se muros, vendeu-se a terra, criaram-se feudos e jardins murados. O espaço comum foi ficando cada vez mais diminuto, até quase desaparecer. Legisladores, perdidos, caíam na tentação da supressão de direitos como forma de trazer ordem a essa terra-sem-lei de malfeitores e desterrados - reacção a medo, de quem não percebe onde está e teme o desconhecido. Novos-intermediários drenaram rios e lagos, ergueram muros e começaram a cobrar portagem. Todos aplaudimos e admirámos a comodidade da auto-estrada.
Mais tarde, percebemos. Os saberes antigos tinham redundado em resultados conhecidos. Meia dúzia de imperadores intocáveis e um fosso cada vez maior a separá-los da ralé. Capitalizar passou a ser ordem, vigilância a moeda de circulação. A promessa da democratização virara arma de manipulação. A desinformação reinava. O ódio voltou.
E existencialmente duvidámos: afinal, não fora grande ideia? O verde dos campos deu lugar à cinza, a esperança ao pessimismo. Queríamos mudar mas não sabíamos como - talvez já não haja como. E os legisladores continuam perdidos - talvez tudo esteja perdido. E os muros continuam a crescer sem sinal de abrandar. Chegaram ao Estado, às escolas, às redacções. Toda a Gália foi ocupada…
Toda? Não! Por todo o mundo pequenos grupos de irredutíveis ainda resistem. Entre eles, o movimento dos direitos digitais, que alia os conhecimentos tecnológicos de hackers a uma defesa intransigente dos direitos humanos no mundo digital.
E nós vos dizemos: não confundam os muros cinzentos que ora vêem com os campos verdes que eles escondem. A Internet pode ser um lugar livre e belo, mas perdemo-nos pelo caminho. Urge voltar às origens, derrubar os muros. Abrir em vez de fechar, descentralizar em vez de centralizar. Ser cada vez mais livre. Compreender e pensar criticamente a tecnologia, para podermos usar a razão - não a fé - ao legislar.
Podemos e conseguimos fazer melhor. Uma melhor Internet é possível, um mundo melhor é possível. É também extremamente difícil - mas isso não nos intimida.
Nem sabemos ser de outra maneira.
Uma batalha de cada vez, sempre pela Liberdade.
Junta-te também ao movimento dos direitos digitais!